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Délia entrou no ônibus de viagem naquela ensolarada tarde de começo de Dezembro. Como é de se esperar para essa época do ano o ônibus estava com a sua capacidade máxima atingida e com um ar condicionado que era incapaz de conter os 30°C que fazia. 
Todo ano Délia saía do interior e voltava para casa nessa época do ano, após o encerramento do ano letivo na faculdade. Ela adorava passar o natal com sua família que seguia a risca as tradições natalinas. Inclusive, só estavam esperando por ela para decorar a casa. Ela apenas não adorava ir para a cidade onde eles moravam, muita coisa havia acontecido por lá. Checou sua passagem e percebeu que estaria no 13° acento, o que lhe daria a janela. Para sua sorte. Caminhou até o 13° lugar e sentou-se: jogou sua mochila no chão, abriu e retirou um livro. Agora tudo que precisava fazer era torcer para que alguém gentil sentasse ao seu lado.
Leonardo tinha feito de tudo para perder aquele ônibus. "Esqueceu" de colocar o celular para despertar, deixou para arrumar a mala de última hora, não comprou passagem com antecedência, mas mesmo assim o azar estava ao seu lado. 
Como se não bastasse aquele calor infernal de 30°C, o ônibus estava lotado. Leonardo sentia cada parte de si vibrando de felicidade, só que ao contrário. Leonardo tinha seus vinte e poucos anos e a pouco tempo havia deixado de ser estagiário, portanto é natural que ele quisesse impressionar a todos na agência de publicidade onde trabalhava. E notando o entusiasmo do rapaz, seu chefe havia mandado-o para uma das empresas que eles tinham conta no interior para a campanha de natal, mas seria uma pena se alguém tivesse confundido a empresa e tivessem mandado Leonardo para uma empresa cujo o dono era judeu. Em plena época do Hanukkah. No fim a empresa que era para Leonardo ter ido visitar trocou de agência e Leonardo sentia que em breve iria ser obrigado a trocar de emprego também. Olhou sua passagem: 14. Caminhou até o seu acento e se jogou contra ele. Ele não queria estar naquele ônibus de jeito nenhum.
Délia não tardou a notar a presença de um rapaz alto, loiro, de ombros largos ao seu lado. Ele parecia precisar de descanso. No que será que ele trabalhava? Suas roupas não eram muito formais, então não era negócios; Mas também não eram muito estilosas, então nada ligado as artes; Será que ele era jornalista? Ou talvez arquiteto? Publicitário ou músico desiludido? Ela nunca iria saber se não perguntasse.
-Quer uma bala? - ofereceu a menina de olhos cor de chocolate - É Mentos. - notando o misto de hesitação e surpresa no olhar do rapaz, não tardou em completar - Fica tranquilo, acabei de abrir. Não é um 'boa noite Cinderela'.
-Acho que mesmo que fosse eu aceitaria - disse o rapaz pegando uma - Obrigada.
-Délia.
-Obrigada Délia - disse ele sorrindo.
-Sua vez.
-Perdão?
-Eu disse meu nome, você diz o seu. É fácil. 
-Leonardo.
-Goste. Bem, Leo, você parece estar tendo um dia difícil. 
-Como adivinhou?
-Seus olhos, suas roupas amassadas e você disse que aceitaria um 'boa noite Cinderela'.
-Nossa você deve ser realmente um gênio, Délia. - Ela só estava tentando ser simpática, será que ele não percebia? Melhor mudar de assunto - Está realmente quente lá fora... Quanto será que está? Uns 30°C no minimo?
-Por que as pessoas acham que conversar sobre o tempo com alguém que não quer conversar é menos pior? - Essa doeu. Hora de tirar o time de campo. A moça se encolheu e voltou a ler seu livro, ele não havia sido nem um pouco gentil com ela - Olha, desculpa. Como você disse eu estou tendo um péssimo dia. Eu acho que vou perder meu emprego. Meu primeiro emprego.
-Nossa, lamento. O que houve?
-Trabalho em uma agência de publicidade e me mandaram entregar a campanha de natal a uma empresa que não comemora natal por que o dono é judeu. 
-E você chegou em pleno Hanukkah...
-É, como você sabe disso?
-Minha colega de quarto é judia.
-Você está na faculdade?
-Sim, acabei o 4° semestre agora. Faço arquitetura.
-Que legal. Era minha segunda opção. 
-Publicidade era a minha segunda opção. 
-Isso é engraçado.
-Pois é. E Leonardo fique tranquilo: ninguém é demitido perto das festas de fim de ano. Eles esperam a volta das férias coletivas. 
-Nossa isso foi muito animador. Obrigado.
-Por que você não quer perder o emprego?
-Não é óbvio? É o meu primeiro emprego, minha primeira conquista. Até hoje meu pai não se conforma que ele foi obrigado a pagar faculdade para mim.
-Você só não quer falhar para o seu velho. Tudo bem.
-Eu só quero fazer o que devo fazer. Não quero falhar. Chega de tombos. Quero trabalhar duro, o quanto for necessário, até o dia em que eu abrir minha agência. Depois, vou trabalhar ainda mais.
-Ei, pega leva Scrooge.
-Do que você me chamou?
-Scrooge. 'Um Conto De Natal'? Charles Dickens? Fantasmas dos três natais? Você nunca assistiu os especiais de natal?
-Quando eu era criança sim, hoje não mais.
-Então você nunca leu 'Um Conto De Natal'?
-Não. E o que isso tem haver comigo?
-Parece que é seu dia de sorte Leonardo, por que em casa eu tenho um exemplar prontinho para ser emprestado à você. 
-O que? 
-Quando ler, você vai encontrar o sentido.
-Você é maluca - disse Leonardo rindo.
-Quarta feira você está livre? 
-Quarta feita provavelmente estarei desempregado, então sim. 
-A rodoviária é um bom lugar para você? Para nós nos encontrarmos.
-Eu não acredito que estou mesmo fazendo isso, mas sim.
-Quarta às 18h na rodoviária, tudo bem?
-Por que tão tarde?
-Para dar tempo de você sair do trabalho. Você não será demitido. 
-É o que veremos. E como você sabe que eu vou mesmo?
-Você não tem nada a perder Leonardo. Simples assim. 

Beijos
S.S Sarfati

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