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Eu me lembro da vez que esqueci do aniversário de vinte e sete anos do Heitor. Ele ficou muito chateado comigo, só que ao invés de chegar e dizer  "Hey Nad, por que você tinha que esquecer meu aniversário? Estou muito chateado com isso", ele ficou me jogando indiretas sobre o assunto - eu já disse o quanto sou péssima para pegar indiretas? - durante dois meses. Sim, eu demorei dois meses para perceber.
Qualquer que fosse o aniversário até se alguém tivesse gritado "Fessor, hoje é aniversário do Fulano hoje!" no meio da aula dele ele me contava. A minha defesa é que neste caso eu achei que era por que ele precisava compartilhar com alguém os prazeres ocultos (e os nem tão ocultos assim) que você só  é capaz de encontrar em uma sala de aula. O Heitor é do tipo de cara que ainda vê charme em ser professor e por isso conta animadamente por que ama tanto o que faz, queria ser assim em relação ao meu trabalho também. 
De qualquer forma, na metade do segundo mês ele começou a ficar estranho comigo e quando eu perguntava o que tinha acontecido, ele simplesmente fugia do assunto então eu comecei a ficar preocupada com ele e fui 'stalkear' a vida dele no Facebook e ai eu vi que o aniversário dele já tinha passado e eu tinha esquecido mesmo sabendo que ele era, e ainda é, muito sentimental com essas coisas. Na sexta feira daquela semana, fui esperá-lo na porta do apartamento dele com um chapéu de aniversário e um bolo escrito 'desculpas' que eu mesma havia feito. Só que eu não contava que ele tinha reunião na escola até as seis. E que depois ele e alguns outros professores iriam sair para beber.  E muito menos que iria chover em quatro horas o dobro do esperado para aquele mês e que por isso a cidade ficaria toda alagada. Eu esperei o Heitor por oito horas. Sentada em cima do tapete da porta de entrada do apartamento dele. 
Vocês têm noção do que é esperar por alguém durante oito horas sentada no chão? Por pouco eu comi aquele bolo. 
Eu não lembro que horas exatamente o Heitor chegou, eu acho que eu havia cochilado (mas quem não cochilaria no meu lugar?), eu só me lembro de vê-lo todo molhado, abaixando-se a minha altura e levantando os óculos também molhados por conta da chuva e perguntando se era eu mesma.

-Mas é claro que sou eu Heitor, quem mais te esperaria na porta do seu apartamento desde as cinco da tarde? 
-Mas é uma hora da manhã.
-Nossa, eu acho que dormi um pouco aqui, mas e daí?
-Você está aqui depois de todo esse tempo?
-Sempre. 
-Por que? - disse ele se sentando ao meu lado.
-Eu esqueci seu aniversário. Desculpa. Vim te trazer um bolo.
-Não precisava.
-Precisava sim, você ficou magoado.
-Fiquei mesmo.
-Desculpa, eu não fiz por mal.
-Não imaginei que tivesse sido por mal.
-Por que você não me disse?
-Não achei que deveria.
-Deveria sim.
-Então, bolo do que? - disse ele abrindo a caixa que continha o bolo.
-Chocolate.
-Meu favorito.
-Eu sei.
-Você levou mesmo a sério esse negócio de desculpas né?
-Bastante.
-Quer um pedaço? 
-Aqui fora? No chão?
-Você não acha que eu vou entrar no meu apartamento molhado do jeito que estou, acha? Aliás, como você conseguiu entrar aqui?
-Suas vizinhas idosas são bem legais.
-Elas já te conheciam né?
-Exato.
-Aqui Nadine, o primeiro pedaço é seu.
-Obrigada. Feliz aniversário.
-Obrigado.
-Desculpa.
-Tudo bem. É tarde demais para dizer que eu tenho chaves extras escondidas na plantinha? - E nós ficamos lá comendo até o Heitor se julgar um pouco menos molhado para entrar. Eu tentei ir embora, mas ele me fez ficar. Tomei banho e vesti uma camiseta dele. Naquela noite nenhum de nós dois dormimos nem quando paramos de conversar e deitamos. Os dois estavam pensando demais no que 'esquecer' realmente significava. Ele aprendeu que nem sempre esquecer é desamor enquanto eu aprendi que esquecer o aniversário de alguém não é importante se você não se importar com a pessoa. De uma forma bem geral, digamos que os dois aprenderam que o esquecimento é relativo. 

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